sexta-feira, 16 de março de 2012

Parabéns avó!

Sei que não mudaria muito estares cá meu Anjo.. Pensando melhor, mudaria tudo, acho que tudo seria diferente. Continuava no nosso quarto. Proteger-me-ias, dir-me-ias histórias do passado que eu atentamente escutaria. Tudo seria tão diferente... Poder ver o teu sorriso, ouvi-lo, o teu olhar, as tuas mãos... O coçares-me as costas quase até adormecer, o passares-me os dedos pela cara enquanto cantavas tão meigamente, pequenos gestos que me faziam tão feliz.
Recordo agora aquele dia infeliz para nós o princípio do fim. Eu tinha estado no S.V.P. com as minhas antigas colegas, tinha-me divertido e de alguma forma quando entrei no metro para vir para casa estava com um mau pressentimento, tinha a impressão que que algo de mal acontecera ou iria acontecer.. Quando estava a atravessar o jardim as luzes estavam apagadas e a minha mãe à janela. Não sorriu. Estava com um ar triste. Quando entrei em casa e vi que os seus olhos estavam vermelhos, perguntei logo: "A avó?" A minha mãe não disse nada por um bocado, até que por fim disse calmamente: "A avó está no hospital." Ao que parece pegou na bebé da empregada e sentou-se no sofá, o meu irmão chegou da escola, falou-lhe, foi para o quarto e nem 1 minuto depois ouviu um barulho e a bebé a chorar. Quando chegou à sala, esta estava no chão, ainda a chorar, enquanto que a minha avó estava desmaiada no sofá. Tinha tido um AVC. No hospital deram-lhe 24h e disseram que se recuperasse ficaria sempre com mazelas. Passaram as 24h e a minha avó estava em semi-coma. Esteve assim perto de um mês, não falava, não abria os olhos, mas apertava-nos a mão com a sua doçura de sempre.Ouvia-nos! Ouvia-me dizer ao ouvido: "Gosto tanto de ti, avózinha! Melhora depressa!", "Meu Anjinho", "És uma Santa." e "Vales mais que mil Santas!", entre outras coisas. No dia em que acordaste havia um problema com o nº de visitas e eu não podia ir primeiro, então fiz birra e disse que já não queria ir. Até que me contaram que a primeira pessoa por quem perguntaste foi por mim. "Onde está a minha menina? Onde está a minha Paulinha?" Pediste também um púcaro pequenino, de metal, com água, tinhas sede e querias beber por ali. Dizias que a água ficava mais fresca. Fiquei tão feliz quando voltaste para casa. Como o AVC tinha sido no lado direito do cérebro, não podias mexer o esquerdo., pusemos uma cama articulada, precisaste de um fisioterapeuta.
No 1º ano ainda te levámos à sala, ainda te cantámos os parabéns.. Estávamos tão tristes por já não seres a 100% a pessoa que eras e, ao mesmo tempo, tão felizes e orgulhosos pela tua incrível força para estares connosco apesar das dores. Ainda sopraste e apagaste as velas. Senti-me tão orgulhosa nesse momento. Infelizmente no segundo ano já não foi possível.



Uma vez veio o Padre António visitar-te, pessoa que estimavas tanto e que te tem tanta estima(ainda há dias, no funeral da avó da Cristina, me disse que eras tão boa avózinha, fiz um esforço para não chorar e em vez disso sorrir, esbocei um sorriso e disse: "É verdade!" Disse-me que me parecia a ti e mais uma vez me enchi de orgulho.) e perguntaste logo à mãe se já lhe tinha servido um lanchinho, para fazer chá e pôr pão, bolachas na mesa.. Todos ficámos emocionados, porque apesar de tudo continuavas a ser tu, tão preocupada com os outros como sempre. Todas as vezes que o Padre António vinha fazias-lhe um lanchinho com todo o gosto. Eras tão generosa!
Até que mais para o fim já baralhavas um pouquito as coisas, a maldita escara nas costas teimava em ficar ali, uma semana antes de faleceres apareceu-te gangrena nos dedos dos pés. Temíamos o pior, que o pé tivesse de ser amputado. Até que 3 dias antes de partires, a luz do nosso quarto começou a ficar sem força, a perder a intensidade, a lâmpada dava cada vez menos luz. No dia 5 de Dezembro de manhã quase se extinguira, e tu também estavas fraquita. O meu pai mudou a lâmpada. Eu fui para a escola. À hora de almoço, os meus pais foram ter comigo, porque ia ter uma consulta de saúde. Enquanto eu estava sozinha com a médica, a minha mãe recebeu um telefonema. A minha madrinha tinha estado lá. A empregada levou-a à porta e quando voltou, a minha avó não respondia e parecia não respirar. A empregada acordou o meu irmão mais velho para que ele visse. Ele confirmou, estava morta. Os meus pais disseram aos meus amigos, ao Tito à Ninhas, à Kris e à Ró, disseram à prof. de moral. Quando saí da consulta e os vi lá, toda eu era sorrisos, não entendia as suas aras. A minha mãe diz-me: "A avó está muito mal.." Eu percebi.. Começo a chorar, eles agarram-se a mim, eu coro com mais força e digo que sinto um aperto,de seguida a Rosa aperta-me com mais força, momento hilariante no meio da tristeza, que não tenciono esquecer. A prof de Moral esteve a falar comigo, a acalmar-me. Ela e o Zé trouxeram-me a casa. Cá em casa, depois do médico sair e de a vestirem, eu entrei no quarto fiquei aos pés da cama, olhei para ela. Não tive coragem de lhe tocar, não a queria sentir fria. O Tito ficou comigo, o Xico contava-nos piadas, mas eu não conseguia rir muito. A muito custo consegui entrar na casa mortuária. A dor... quando as pessoas me davam os seus pêsames. Lembro-me que mal consegui comer, que fui dormir para o quarto dos meus pais. No dia seguinte não fui ao funeral. Queria ter tido outra idade ou outra forma de pensar, na altura. Queria ter aproveitado cada segundo daqueles últimos dias. E foi assim que te perdi!

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